9.4.08

POR ONDE ANDAM OS ANJOS ?
Por Jeania Maria*
Na virada do século, quando todo mundo esperava o Fim do Mundo, repleto de efeitos especiais, com maremoto, terremoto, explosões vulcânicas e até um choque mortal no espaço, um poeta, militante da esquerda, me apresentou outra versão para esta expectativa, durante uma entrevista. Segundo ele a devastação seria dentro das pessoas e aconteceria nos primeiros anos do século.
Me impressionou muito esta relação: morte em vida, destruição interna. Não demorou muito, comecei a perceber os sinais da tal profecia.Tempos após a entrevista, o mesmo poeta me disse que estava muito chata. Foi em seguida ao meu aniversário, que aconteceu poucos dias após a morte da minha mãe. Como sei que se trata de crítico pertinente, me antecipo ao comentário do poeta, "isso é uma visão muito pessoal, e, realmente, um caso isolado no exato sentido que qualquer um queira dar".
A última moda no Brasil é ser pragmático. Pragmatismo é o nome que se dá quando uma coisa precisa ser útil e propiciar alguma forma de êxito ou satisfação. Pra mim, esquecendo o Aurélio, é uma praga trituradora de tudo. Basta prestar atenção ao comportamento do Congresso e do nosso querido Presidente Lula. De um lado alguns hipócritas da oposição atacam,e, do outro, o Presidente defende políticos e atitudes que outrora condenava. Cada um, com seu estilo, nos fazem uma bela demonstração de elasticidade ética.
Nos novos tempos os sentimentos não são violentados; ganham novos sentidos, nova versão, toques de modernidade. Foi muito emblemático a mãe do estudante Edson Luís – símbolo da luta da esquerda contra a Ditadura Militar - dizer que ao invés de um monumento, melhor seria ganhar uma pensão. E não adianta o poeta, desta vez, achar que a observação reducionista é vil, porque Edson não era um ativista, apenas defendia o restaurante onde comia. Além disso, nesses tempos de violência, dengue hemorrágica, vale lembrar também o slogan do cortejo fúnebre da época, gritado a plenos pulmões pelo movimento estudantil: "Mataram um estudante, podia ser seu filho".
E não posso deixar de citar a iniciativa da Prefeitura de Nova Iguaçu em transformar em roteiro turístico cultural a área da Chacina de 2005, para levantar a auto-estima da população do lugar, e de quebra, mudar a imagem de toda a cidade. Tampouco a marcha de abertura do FME com um grupo de crianças com toucas ninjas pretas e flores vermelhas nas mãos, onde não vale a pena tentar decifrar o significado.
No Fórum Mundial de Educação, a defesa de um respeitável professor, que faz oposição ao governo municipal, me deixou constrangida. Ele achou exageradas as minhas críticas ao tal roteiro, dizendo que estava trocando alhos com ca ...alhos, o que me fez refletir a quantas anda a intelectualidade da Educação de minha cidade. Defendendo a tese do roteiro, para liquidar todas as minhas expectativas, ele citou o campo de concentração Auschwitz como um Ponto Turístico.
Sinceramente não lembro de qualquer propaganda, mas acredito que para os alemães aquele é um Ponto de Vergonha Mundial, onde as pessoas entram mudas e saem caladas. E pelo que sei, no Brasil, há até uma lei para aqueles que não sabem medir as palavras e atos sobre a dor dos judeus. Também não me lembro dos marketeiros americanos convidando as pessoas para um happening artístico no local da tragédia do World Trade Center. Lá as manifestações ocorrem através de fotos, flores e velas. Para quem busca o aval do mundo seria interessante observar esta postura.
Entre mortos e feridos, com amplo sentido, por favor, faz tempo não me emociono com um discurso de político. Recentemente uma amiga enviou, por e-mail, um que está no You Tube no seguinte endereço: www.rolandoboldrin.com.br. Trata-se de uma emocionante interpretação do artista multimídia, Rolando Boldrin do texto Sinto vergonha de mim, de Rui Barbosa. As centenárias palavras e a interpretação daquele moderno senhor, me rasgaram a alma e tudo o que sinto se resume em uma palavra: Vergonha. Nunca pensei que chegaria a este ponto, mas sinto vergonha de ser brasileira. E mais dilacerante, tenho vergonha de ser iguaçuana.
Agora só me resta aguardar, com serenidade, após estas palavras, não uma reflexão, mas a chegada da tropa da elite ideológica importada. Afinal tem uma eleição pela frente e o luto é um assunto secundário. Dia 31 de março apenas lembra a Ditadura Militar e a Chacina, que não tiraram só o sangue da palavra, mas a vida de muitas pessoas.
Quanto a procura dos anjos, nem o poeta (fictício) está interessado. Pra quem sabe o que acontece na cidade, tudo não passou de "uma licença poética". Realmente, o novo tempo, em Nova Iguaçu, é muito, muito pragmático. E Viva Galileu!!

Nova Iguaçu, 31 de março de 2008
*Coordenadora do falecido projeto A Baixada é Lind

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